A notícia pode não ter despertado tanto interesse aqui no Brasil, afinal estamos falando de uma revista (categoria de publicação que enfrenta uma forte queda de popularidade mundo afora e também aqui) e de uma empresa mais conhecida de executivos envolvidos em marketing e vendas e tecnologia do que do público em geral, a Salesforce. O que une as duas empresas, agora, é o fato de que elas têm o mesmo dono, o bilionário Marc Benioff. A exemplo do que já fez Jeff Bezos, dono da Amazon, Benioff agora também se tornou proprietário de um dos símbolos do jornalismo norte-americano, a revista Time

A Time foi uma das publicações mais influentes do século XX; suas capas tinham o poder de magnetizar o público norte-americano e de influenciar comportamentos e discussões. Mas, nos últimos anos, a Time (junto com outros pilares do jornalismo impresso) perdeu popularidade, influência e brilho. Já não mais pertencia ao grupo fundador, o título já havia sido vendido para a Meredith Publishing Company – uma editora conhecida por títulos focados em nichos, como decoração e “life style”. Um dos títulos da Meredith mais conhecidos no Brasil é a revista InStyle.

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Dois tempos, dois orçamentos

A venda da Time foi fechada no domingo, dia 16 de setembro, por 190 milhões de dólares pagos em dinheiro – quase uma ninharia para o controlador da Salesforce, mas uma montanha de dinheiro para o cenário das empresas de comunicação, que ainda lutam para se adaptar aos novos tempos digitais. Aliás, a transação pode até ser vista como o encontro de dois tempos e dois orçamentos. De um lado, as empresas de tecnologia, cada vez mais poderosas e cada vez mais entranhadas no tecido social e empresarial. De outro, empresas de comunicação que lutam para se adaptar ao novo cenário criado justamente pela evolução da tecnologia.

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Marc Benioff – o loquaz criador da Salesforce – é produto típico do Vale do Silício: depois de passar pela Oracle, apostou na computação na nuvem como forma de entrega de um software de controle e automação de força de vendas. Com o crescimento do e-commerce e do marketing digital, viu sua iniciativa ser catapultada à estratosfera. A estratégia adotada por Marc Benioff acabaria por se tornar o padrão para o mercado de tecnologia, que praticamente abandonou o modelo de venda de licenças, para se apoiar num modelo muito mais lucrativo e estável de pagamento de assinatura. Ironicamente, as revistas, como a Time adquirida por Benioff, tiveram no modelo de venda de assinaturas um de seus mais importantes pilares de sustentação. Mas, esse modelo não resistiu à mudança dos hábitos dos consumidores, que cada vez mais abandonam o papel em favor das telas – e que resistem muito mais a pagar para consumir conteúdo nos dispositivos digitais do que resistiam antes, quando recebiam seus exemplares na porta de casa. 

O futuro

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Todo mundo sabe que a indústria da mídia e do jornalismo precisa passar por uma transformação – que muitos chamam de transição para o digital. Mas, a verdade é que pouquíssimas empresas já conseguiram se tornar viáveis apenas com os meios digitais como forma de geração de receita. Quando Jeff Bezos assumiu o Washington Post, a ideia era muito mais a de salvar um dos bastiões da imprensa do que pensar no retorno sobre o investimento (não que ele não esteja trabalhando nessa direção). Agora, Marc Benioff diz algo parecido em relação à Time: a ideia é fazer a transição para o digital, sem interferir na linha editorial. Ou seja, a ideia é transformar as bases do negócio e adequá-las aos novos tempos, oferecendo perspectiva nova à produção de conteúdo. Não deixa de ser positivo, mas é mais um exemplo de que – donos dos meios decisivos para a otimização dos processos e com dinheiro de sobra -, os manda-chuvas da tecnologia estão prontos para engolir praticamente qualquer segmento.